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Dos danos que provém à alma quando põe o seu gozo nos bens temporais. (SUBIDA DO MONTE CARMELO S. João da Cruz). www.youtube.com/watch - Se tivéssemos de enumerar aqui todos os danos que provem à alma …Mais
Dos danos que provém à alma quando põe o seu gozo nos bens temporais. (SUBIDA DO MONTE CARMELO S. João da Cruz).

www.youtube.com/watch
- Se tivéssemos de enumerar aqui todos os danos que provem à alma quando põe o afeto da vontade nos bens temporais, não haveria tinta, nem papel, nem tempo, bastantes para isso. Porque uma coisa de nada pode ser origem de grandes males e a destruição de consideráveis bens, assim como a centelha não apagada pode atear labaredas capazes de incendiar todo o mundo. Todos esses danos têm sua origem e raiz num dano privativo principal, produzido por este gozo, a saber: o afastamento de Deus.
Assim como, aproximando-se de Deus com afeto da vontade, alcança a alma todos os bens, assim também, ao se afastar dele, por esta afeição as criaturas, torna-se presa de todos os males, na medida do gozo e afeto com que a elas se une; porque isto é separar-se de Deus. Em consequência, conforme se afastar mais ou menos de Deus, cada alma poderá entender que serão seus danos maiores ou menores, em número ou em intensidade, e como acontece mais frequente, de ambos os modos ao mesmo tempo.
- Esse dano privativo, donde nascem todos os outros, privativos e positivos, encerra quatro graus, cada qual pior. Quando a alma chegar ao quarto, terá chegado a todos os males e misérias que se possam referir neste caso. Moisés assinala perfeitamente esses diversos graus no Deuteronômio, quando diz: "Mas o Amado, enfartado, recalcitrou; enfartado, engordou, dilatou-se, abandonou a Deus, seu Criador, e se apartou de Deus, seu salvador". (Deuteronômio 32,15.)
- Enfartar-se a alma, antes amada de Deus, e engolfar-se no gozo das criaturas. Daí provém o primeiro grau do mencionado dano: voltar atrás; nada é senão o embotamento do espírito em relação a Deus, de modo a obscurecer os bens divinos, assim como o nevoeiro obscurece o ar, impedindo-o de ser iluminado pelos raios do sol.
Porque, pelo mesmo fato de pôr o espiritual seu gozo em algum objeto criado, e soltar as rédeas ao apetite, para nutrir-se de coisas vãs, logo fica obscurecido a respeito de Deus, anuviando-se-lhe a clara inteligência do próprio juízo, segundo ensina o Espírito Divino no livro da Sabedoria: "A fascinação da bagatela obscurece o bem; e as paixões volúveis da concupiscência corrompem o espírito puro e simples". (sabedoria 4,12.)
Nestas palavras o Espírito Santo nos dá a entender que, embora não haja intencionada malícia no entendimento, basta a concupiscência e gozo dos objetos criados para produzir na alma o primeiro grau do já citado dano, isto é, o embotamento da mente com a obscuridade do juízo para entender a verdade e julgar bem de cada coisa.
- Por maior santidade e acertado juízo que tenha o homem, não conseguirá livrar-se desse dano, se puser gozo e apetite nos bens temporais. Disso nos avisa o Senhor, dizendo por Moisés: "Não aceitarás dádivas porque cegam ate aos mais prudentes". (sabedoria 4,12.) Referia-se Deus especialmente aos que haviam de ser juízes e por esse motivo tinham mais necessidade de discernimento claro e seguro - o que é incompatível com a cobiça e o gosto dos presentes.
Por isso mesmo Deus ordenou a Moisés que estabelecesse como juízes aos que aborrecessem a avareza, a fim de não se lhes embotar o juízo com o gozo das paixões". (Êxodo 23,8.) E assim não diz apenas que não sejam dados à avareza, mas que a aborreçam; porque, para defender-se alguém perfeitamente da paixão de amor, há de opor-lhe o aborrecimento, vencendo assim um contrário com outro.
O motivo de ter sido sempre o profeta Samuel juiz tão reto e esclarecido foi justamente nunca haver recebido presentes de pessoa alguma, como ele próprio assegura no Primeiro Livro de Samuel.
- O segundo grau do dano privativo deriva do primeiro e é expresso pelas palavras seguintes do referido texto: "enfartado, dilatou-se e engordou". É uma dilatação da vontade que, no gozo mais livre dos bens temporais, já não faz tanto caso nem tem escrúpulos de comprazer-se neles com maior gosto. Isto acontece à alma, porque no princípio soltou as rédeas ao prazer deixando dominar o gozo, veio a engordar nele, segundo diz o texto: e aquela gordura de prazer e apetite produziu maior avidez e dilatação da vontade nas criaturas.
Daí resultam grandes males: este segundo grau aparta a alma dos exercícios devotos e do trato com Deus, tirando-lhe o sabor que antes encontrava nisso, pelo mesmo fato de comprazer-se agora nos bens criados; e consequentemente, vai caindo em muitas imperfeições, impertinências e gozos vãos.
- Quando o homem chega a consumar-se neste segundo grau, abandona inteiramente as praticas habituais de piedade, pondo toda a sua mente e cobiça nas coisas do século. As almas, nesse grau, não somente tem o juízo e a inteligência obscurecidos para distinguir a verdade e a justiça, como as que se acham no primeiro grau, mas são acometidas de grande tibieza, frouxidão e descuido para saber o que é bom e reto, e mais ainda para praticá-lo. As seguintes palavras de Isaías traduzem bem este estado: "Todos amam as dádivas, andam atrás de recompensas.
Não fazem justiça ao órfao, e a causa da viúva não lhes interessa". (Isaías 1,23.) Tais almas não são livres de pecado, mormente se o dever as obriga a atender a justiça; e, assim, não carecem de malícia, como acontece no primeiro grau. Cada vez mais se apartam da justiça e da virtude, porque vão inclinando a vontade para as criaturas, sempre com maior apego.
As almas chegadas a esse segundo grau se caracterizam pela grande tibieza nas coisas espirituais, cumprindo muito mal os deveres de piedade, mais por desencargo, ou por força ou rotina, do que por motivo de amor.
- O terceiro grau do dano privativo é o completo abandono de Deus e da sua lei, para não se privar da melhor satisfação mundana. A cobiça, então, chega a precipitar a alma dos abismos do pecado mortal. Este terceiro grau está assim descrito no texto mencionado: "Abandonou a Deus, seu Criador". A este grau pertencem todos os homens que estão com as potências de tal modo engolfadas nos prazeres, bens e negócios mundanos, que nada se lhes dá de cumprir as obrigações da lei divina.
Tanto estão submersos em grande olvido e torpor acerca do que concerne a sua salvação, quanto tem mais atividade e esperteza para as coisas do mundo. De maneira que, no Evangelho, lhes dá Cristo o nome de filhos deste século e deles diz: são mais prudentes e atilados em seus negócios, que os filhos da luz nos seus. (São Lucas 16,8.) Dão tudo para o mundo e nada para Deus; são propriamente, os avarentos cujo apetite e gozo se derramam nos bens da terra e a eles se apegam com tanta avidez, que jamais se vêem fartos.
A sua fome e sede, ao contrário, aumentam à medida que se afastam da única fonte capaz de saciá-los, que é Deus. O Senhor lhes diz pela boca de Jeremias: "Deixaram-me a mim fonte de água viva, e cavaram para si cisternas, cisternas rotas, que não podem conter água", (Jeremias 2,13.) E isto se dá porque as criaturas, longe de aplacarem a sede do avaro, só podem aumentá-la.
São estes os que caem numa infinidade de pecados por amor dos bens temporais, e cujos males não têm número, segundo a expressão de Davi: "Entregaram-se as paixões de seu coração - Transierunt in affectum cordis". (Salmo 72,7.)
- O quarto grau do dano privativo é expresso pelas últimas palavras da nossa citação: "Afastou-se de Deus, seu salvador". É consequência do terceiro. Com efeito, não mais orientando o seu coração para a lei divina, por causa dos bens temporais, a alma do avarento afasta-se muito do Senhor segundo a memória, entendimento e vontade. Dele se olvida como se não fosse o seu Deus, porque fez do dinheiro e dos bens temporais deuses para si, conforme a palavra de São Paulo: "A avareza e servidão de ídolos". (Gálatas 3,5.)
Este quarto grau conduz o homem ao total esquecimento de Deus, a ponto de pôr o coração, - que devia pertencer de modo exclusivo ao Senhor, - formalmente no dinheiro, como se não tivesse outro Deus.
- Neste grau se incluem os que não hesitam em ordenar as coisas divinas e sobrenaturais a serviço dos interesses temporais como a seus deuses, quando deviam fazer o contrário, ordenando-as a Deus, se o tivessem por seu Deus como o exige a razão. Deste número foi o iníquo Balaão, que vendeu o dom de profecia recebido de Deus; (Livro de Números capítulo 22,7.) e também Simão Mago que queria comprar a preço de dinheiro a graça de Deus". (Atos dos Apóstolos 8,18, a 19.) Nisto bem mostrou estimar mais o dinheiro, pois supunha haver quem o avaliasse em mais, dando a graça pelo dinheiro.
Muitas pessoas chegam hoje, de outras maneiras, a esse extremo grau. A razão se lhes obscurece pela cobiça dos bens terrenos, mesmo nas coisas espirituais; e assim servem ao dinheiro e não à Deus, visando a paga material e não o divino valor e prêmio. Desse modo fazem do dinheiro seu principal deus e assim, antepondo-o ao fim supremo, que é Deus.
- São deste ultimo grau todos aqueles miseráveis que, tão apaixonados pelos bens terrenos, não duvidam sacrificar-lhes a própria existência; quando vêem qualquer míngua neste seu deus temporal, desesperam e se matam por lamentáveis fins, mostrando por suas próprias mãos o triste galardão que de tal deus se recebe. Como não há que esperar deste ídolo, daí vem, consequentemente, desesperação e morte.
Aos que não persegue até este funesto extremo, faz com que vivam morrendo nas ânsias de muitas inquietações e outras tantas misérias; jamais lhes deixa entrar a alegria no coração, e não lhes permite auferir bem algum na terra. E, assim, sempre ocupados em pagar o tributo do amor ao dinheiro - enquanto penam por causa dele, - acumulam riquezas para sua ultima calamidade e justa perdição, como adverte o sábio dizendo: "As riquezas estão guardadas para a infelicidade de quem as possui". (Eclesiastes 5,12.)
- A esse quarto grau pertencem aqueles de quem diz São Paulo aos romanos: "Entregou-os Deus a um sentimento depravado". (Romanos 1,28.) Porque até a este abismo a paixão do gozo arrasta o homem que prende o coração às riquezas, como a seu último fim. Ainda que não chegue a tal ponto, será …